segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

hoplita parte dois

Com a perna apoiada no braço do sofá, deslaça as tiras de couro das cnêmides de bronze que lhe protegem a canela e o topo do joelho.
Penélope de olhos quase verdes e sorriso aberto provoca-me e beija-me através do elmo espartano de crina negra, aquecendo o metal ao toque, ao mesmo tempo que me liberta da couraça que ainda protege o peito.
-foi muito divertido, devíamos de o fazer mais vezes!
-Sua majestade gosta de me ver sofrer!
-gosto de te ver nessa couraça, nesse elmo de bronze reluzente …de lança em punho, feroz, tão destemido! Para quando uma próxima batalha?
-só daqui a muitos anos…
-mas gostei, principalmente da tua irmã… e dos teus avós, são uns queridos!
-hum! Não fiques viciada…
- estou só um pouco desiludida…andei a ter aulas de primeiros socorros e afinal nem tive de te fazer respiração boca-a-boca!
-ainda vais a tempo de o fazer!
agarro-a pela cintura e caímos no sofá. Já despidos de armaduras, ali ficamos adormecidos, exaustos da batalha e das tréguas, e da reanimação!

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

hoplita

Precisava de um gravador mental, um que fosse imprimindo na forma de fita magnética ou então digitalizando em bits e bytes todos os pensamentos que vou vomitando e que nem sempre conseguem alcançar o papel na forma de caracteres legíveis.
Ontem explodiam na minha cabeça, cruzamentos interessantes, palavras novas ou pouco usadas, hoje já não as encontro, mas a história é algo assim:

Desde a grande separação de 1982, funcionava um sistema complicado mas aprazível para ambas as partes progenitoras, baseado no "este dia é teu, este dia é meu"! Ainda o dia 23 de janeiro estava longe e já se tomavam medidas reivindicativas! tudo muito simples, se esse dia fosse à semana. Ouvia-os respirar de alivio, enquanto decretavam em diário da república: no dia 23 comemora com a família paterna no Porto, no fim de semana seguinte, comemora com família materna na Figueira!
A coisa complicava-se quando o dia 23 lá calhava num sábado ou domingo, não havendo entendimento entre as partes intervenientes. Da última vez que isto aconteceu, declarei que não voltaria a comemorar o meu aniversário com nenhuma das partes, passando os aniversários seguintes fora do país!
Este ano a pedido dos meus avós, e precavendo possíveis contendas, decidi convidar os dois lados da barricada para um almoço em minha casa. Não podia deixar de convidar também a realeza de Ítaca, avisando-a dos riscos a que estaria sujeita num almoço, não de uma, mas de duas famílias. Mas ela mesmo assim aceitou, colocando prontamente o seu elmo reluzente, armada de espada e de um pesado escudo, uma hoplita pronta para a guerra!

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

tempo frio

Pago uma rodada, brindamos à saúde, à amizade, aos longos anos de vida. Já é tarde. Sinto a falta dela na noite fria, que de tão fria me vai cortando o coração em pedaços e penso nela… a esta hora já sonha sob um edredão florido.
Não há outro sítio no mundo onde desejo mais estar, a não ser sob o mesmo edredão florido, e esperar que ela adormeça na dobra do meu braço, onde repousa os sonhos abrigada dos pesadelos pelo manto de penas.
Toco à campainha importunando o silêncio intenso, uns segundos depois o intercomunicador ilumina-se e a voz dela sexy e sonolenta diz:
-já demos, volte amanhã!
-desculpa vir acordar-te!
-a porta deve de estar trancada, espera um pouco, desço já!
Minutos depois, a luz do átrio acende-se e pelas escadas aparece a minha musa, de cabelo em desalinho, olhos minúsculos, pijama com ursinhos, enrolada num imenso casaco de malha. Raspo o vidro da porta implorando a entrada.
-seu vadio! Diz enquanto abre a porta, e lambo-lhe a cara em resposta!
-és mesmo doido e estás gelado! E subimos até casa dela, sigo o perfume que acaba de deixar, o mesmo que reconheço em qualquer lugar, a falta da minha inspiração tem destas coisas, rimar deixar com lugar é do pior que já tenho escrito!
E antes de se deitar, faz o aviso:
-não abras o armário, tive de meter o outro lá dentro!
-não era necessário, podias deixar estar, era mais um para aquecer a cama…
Tiro a roupa fria e deslizo pelos lençóis ainda quentes, abraço-a e ela beija-me dizendo:
-Parabéns!

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Penélope

Doce Penélope voltou trazendo o frio e a chuva no cabelo.
Eis a Rainha de Ítaca, de olhos brilhantes ofuscando as estrelas. Serena demora-se à porta do quarto, ostenta o meu casaco de alamares que lhe sobeja nas mangas. Fia um pensamento enquanto morde o sorriso no lábio, e começa a despir-se. Primeiro o casaco, lentamente caindo como um real manto pelas costas, depois as botas pisando o calcanhar, o longo cachecol em que a amarrei num beijo, as calças sem pressa, as camisolas que lança pelo ar na minha direcção, e por fim nua, gelada, a bela soberana desliza para os meus braços, onde a recebo num abraço quente, intenso debaixo do edredão!