segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Menina do Mar

Embora tivesse nascido praticamente dentro de uma concha, esta é a história de uma Menina que vivia longe do Mar. A praia de areias escuras e águas calmas mais próxima, ficava precisamente a 416 km de distância da cidade onde vivia, viajando sempre para sul, seguindo as correntes quentes que varrem os desertos africanos.
Mas a menina não seguia o Siroco, ou Scirocco como se diz em Itália, ou o vento quente, asfixiante e empoeirado que sopra na região do Mediterrâneo, a menina não descalçava as sandálias para sentir a areia entre os dedos dos pés, nem cheirava a espuma esvoaçante lançada da vaga e o salitre na pele seca. Ela simplesmente esperava pela noite, como se espera pela maré, e adormecia num sono profundo, tão profundo como as fossas a leste das ilhas Marianas. E então sonhava com o Mar, com o azul quase negro das profundezas, onde a luz do Sol mal consegue entrar. O ondular de florestas de algas verdes e de kelps-gigantes, em perfeita sintonia com o canto das baleias, ou então nadando perto dos fundos arenosos cobertos de magníficos corais, nas águas claras e quentes, onde milhares de espécies de peixes coloridos se agitam.

Noite após noite, maré após maré, a Menina voltava ao Mar, percorrendo os oceanos de lés-a-lés, seguindo as correntes marítimas, fluxos ordenados ou não, dependentes da inércia da rotação do planeta, dos ventos e da diferença de densidade, correntes quentes ou frias, sem nunca largar a barbatana dorsal, de um imenso tubarão prateado.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

juizo

Deitados lado a lado na cama, olhos nos olhos, a sua face repousa sobre as mãos unidas, enquanto o meu braço combinado em acordo secreto com a mão, suportam a minha cabeça. Afasto um cabelo que teimosamente caiu sobre o seu belo nariz de Cleópatra, prendendo-o atrás da orelha, simétrico aos restantes. O funcionário do ikea aproxima-se e diz. Vão me desculpar mas não podem…estar ai deitados…assim! Assim como? Interrogo, voltando a cabeça no sentido da voz trémula. Assim como se estivessem em casa. Respondeu o rapaz de camiseta amarela, com a voz ainda a tremer mais. Ele tem razão. Diz ela, enquanto me puxa da cama pela mão. O funcionário vira costas, mais a medo do que convencido que desisti de experimentar a cama com dossel, e os mirones dispersam, voltando de novo a sua atenção para as jarras Blomster. Sussurro-lhe ao ouvido. Podíamos tirar a roupa e ir para debaixo dos lençóis! Suspira profundamente. Anda César, vamos procurar o teu juízo!