sexta-feira, 27 de maio de 2011

insónia

Aninhada sob a minha asa, dorme a soberana da minha afeição. Vigio-lhe o sono na minha insónia, extasiado pela sua beleza. Sigo a curva superior até ao lóbulo da orelha, furado sem brinco.
A perfeição de cada linha do rosto cativa-me o espírito.
Aos primeiros raios da manhã ela acorda, encolhe-se ainda mais na dobra deixada pelo meu corpo onde encaixa o seu. Antes de voltar a fechar os olhos pergunta.
-não dormes?
-só quando sonhas!
-dormes nos meus sonhos?
-sim.

terça-feira, 24 de maio de 2011

sinnerman

“Meu Deus, livrai-me do ciúme! É um monstro de olhos verdes, que escarnece do próprio pasto que o alimenta. Quão felizardo é o enganado que, cônscio de o ser, não ama a sua infiel! Mas que torturas infernais padece o homem que, amando, duvida, e, suspeitando, adora.”
William Shakespeare (Otelo)


Sempre que falava comigo, mantinha a mão pousada no meu braço e às vezes percorria até ao ombro elogiando os bíceps em forma! No início não dei grande importância, certas pessoas necessitam de um contacto físico para se ligarem às outras, como um fio condutor que as liga à terra, até que começou a arranjar desculpas disparatadas para ficarmos a trabalhar até mais tarde, sentando-se ao meu lado e inclinando-se constantemente, a proximidade era tal que sentia o peito dela comprimido contra mim.
Embora cego de amor por Perséfone, aquela mulher mais velha e hierarquicamente superior, ensinava-me o caminho tacteando o pecado até às portas do Inferno!
Um dia fomos tomar um copo depois do trabalho, sentia-me estranhamente atraído pelo modo como falava e como humedecia o lábio superior pela passagem lenta da língua, o cabelo curto roçando os ombros despidos, a mão que percorria a minha perna sem qualquer pudor e um sorriso desmedido que sussurrava várias vezes ao meu ouvido: prazer. Deixei-a à porta de casa, impelido de entrar pelo aperto nas rédeas, um freio no desejo que me levava de volta ao estado de cegueira e aos braços da bela Perséfone.
Tomei a linha vermelha, à minha frente sentado de perna cruzada, o diabo esboça um sorriso enquanto inspira o fumo. estende-me a mortalha meia fumada. –César, deixas-me numa situação complicada, é que não consigo decidir se és estúpido ou idiota…
Absorvo o fumo lentamente, sinto um formigueiro percorrer o corpo -o diabo que te carregue!
Expele uma gargalhada gutural, profundamente assustadora: -só tu César, para teres piada numa situação destas! Mas admito que me enganei, nunca pensei que fosses cair na tentação…
Devolvo-lhe o pequeno prazer aos seus dedos negros.-que esperavas tu que eu fizesse?
-esperava tudo caríssimo, menos isto, foi uma surpresa! tens uma mulher belíssima, tão bela que à própria Afrodite faz inveja, e cais assim na tentação… mesmo sendo diabolicamente possessiva, Perséfone não merece!
-ela não precisa de saber e não aconteceu nada!
-mas ela sabe, oh César... ela sabe! e o que aconteceu, mesmo sendo como tu dizes… nada, transpira pelos teus poros, fedes a pecado! Nem imaginas, adoro esse teu cheiro…Só fico um pouco desapontado por não teres dado aquele passo final, mas era impossível com essas pendurezas albas que trazes pelas costas! –olha anjo, saio na próxima.
Mais uma vez os dedos necrosos passam a mortalha:- bom proveito! Não te esqueças que Perséfone é minha protegida, não esperes que tenha pena de ti… penas já não te faltam! já me esquecia, cuidado com o prato vermelho com as merdas que parecem arroz!