Há quem diga que tudo começou numa sexta-feira ao fim do dia ou então ao inicio da noite, é difícil ter a certeza em histórias como esta, mas lembro-me bem, como se fosse hoje mesmo, da troca de olhares e ainda me lembro melhor, do sabor dos seus beijos e da primeira vez que os provei…mas cada coisa a seu tempo.
Era uma sexta-feira como tantas outras, havia Jazz no café Progresso. A noite era fresca de Outono, acabado de entrar pelo grande portal das estações, era um tempo estranho entre a inevitável chuva e frio e ao mesmo tempo a difícil despedida do Verão, que teimava em ficar mais uns dias.
Num grupo numeroso heterogéneo, ruidoso num espaço pequeno, cumprimentei conhecidos e desconhecidos, usando uma saudação mais ou menos calorosa de acordo com os padrões estabelecidos pela ética e bons costumes. Foi quando a vi, naquele canto, impossível de alcançar. Os nossos olhares cruzavam-se numa intensidade acima do normal entre pessoas que eram completamente estranhas, e pelo facto de sermos completamente estranhos, e de uma mesa cheia no nosso meio, levava-me a cumprimenta-la estendendo a mão na sua direcção, na impossibilidade lhe sentir a face na minha, no movimento que fazemos instintivamente na encenação de um beijo.
Conseguia ver uma certa desilusão no seu olhar enquanto media a minha mão a menos de um metro da sua cara.
“És um fraco César, tens medo dela e daqueles olhos fundos em forma de amêndoas, se fosses um homem corajoso, saltavas por cima da mesa que vos separa, e em vez de um aperto de mão podias dar-lhe um beijo” Censurava o contrabaixo em notas tristes.
Ela agarrou-me a mão pela ponta dos dedos e beijou o dorso dizendo na voz mais suave e certa do mundo: Cleópatra, muito prazer!
Senti um rubor que trepava pelo pescoço até às faces, nascido no peito, numa cavidade torácica vazia, mas onde começava a pulsar algo, nas artérias e veias rasgadas, pendentes que outrora alimentaram um órgão destroçado!
Perdia o dom da palavra, acontecia sempre nos momentos em que mais necessitava de uma frase inspirada. Sentei-me não muito longe sem abrir a boca, atordoado pelo som forte e baixo do contrabaixo, à mistura com o pulsar interior e tudo entoava pelo soalho antigo de madeira, fazendo o chão tremer por baixo dos pés. E é então que ela me chama, duas vezes diz o meu nome, aquela voz difícil de esquecer, e eu volto a cabeça na direcção daqueles olhos negros profundos, onde sei que me vou afogar…
Era uma sexta-feira como tantas outras, havia Jazz no café Progresso. A noite era fresca de Outono, acabado de entrar pelo grande portal das estações, era um tempo estranho entre a inevitável chuva e frio e ao mesmo tempo a difícil despedida do Verão, que teimava em ficar mais uns dias.
Num grupo numeroso heterogéneo, ruidoso num espaço pequeno, cumprimentei conhecidos e desconhecidos, usando uma saudação mais ou menos calorosa de acordo com os padrões estabelecidos pela ética e bons costumes. Foi quando a vi, naquele canto, impossível de alcançar. Os nossos olhares cruzavam-se numa intensidade acima do normal entre pessoas que eram completamente estranhas, e pelo facto de sermos completamente estranhos, e de uma mesa cheia no nosso meio, levava-me a cumprimenta-la estendendo a mão na sua direcção, na impossibilidade lhe sentir a face na minha, no movimento que fazemos instintivamente na encenação de um beijo.
Conseguia ver uma certa desilusão no seu olhar enquanto media a minha mão a menos de um metro da sua cara.
“És um fraco César, tens medo dela e daqueles olhos fundos em forma de amêndoas, se fosses um homem corajoso, saltavas por cima da mesa que vos separa, e em vez de um aperto de mão podias dar-lhe um beijo” Censurava o contrabaixo em notas tristes.
Ela agarrou-me a mão pela ponta dos dedos e beijou o dorso dizendo na voz mais suave e certa do mundo: Cleópatra, muito prazer!
Senti um rubor que trepava pelo pescoço até às faces, nascido no peito, numa cavidade torácica vazia, mas onde começava a pulsar algo, nas artérias e veias rasgadas, pendentes que outrora alimentaram um órgão destroçado!
Perdia o dom da palavra, acontecia sempre nos momentos em que mais necessitava de uma frase inspirada. Sentei-me não muito longe sem abrir a boca, atordoado pelo som forte e baixo do contrabaixo, à mistura com o pulsar interior e tudo entoava pelo soalho antigo de madeira, fazendo o chão tremer por baixo dos pés. E é então que ela me chama, duas vezes diz o meu nome, aquela voz difícil de esquecer, e eu volto a cabeça na direcção daqueles olhos negros profundos, onde sei que me vou afogar…
E eu voo, como uma Sphingidae nocturna que expande as poderosas asas carregadas de pó dourado e atravessa a sala em direcção a ela, em direcção à Luz.
Vem sentar-te ao meu lado, temos tanto para conversar. Com relativo êxito correu com Marco António, o lugar ao seu lado está vazio deixando a César o que é de César! Diz com um sorriso, numa boca bem traçada com lábios finamente cinzelados. Como fica bem esta boca nesse seu nariz perfeito.
Ao fim de mais de dois mil anos as forças do destino voltaram a cruzar os nossos caminhos. Digo, inspirado pela sua beleza e encontrando algures nos bolsos das calças o dom da palavra que julguei ter perdido.
Tu lembras-te? Pergunta, sem nunca desviar o olhar.
Claro que sim, era um dia de Inverno morno, tinha acabado de chegar ao Egipto quando recebi o teu presente.
E que mais te recordas tu?
Lembro-me de te ver deslumbrante, muito jovem e imensamente bela, desenrolada de um tapete! Cheiravas a rosas…
É curioso que digas isso, também me lembro bem do teu cheiro, a águas quentes termais e folhas de loureiro… agora cheiras a papel, livros e tinta de encadernação!
Não tenho tido muito tempo para banhos demorados em termas, e o loureiro saiu de moda em meados do nascimento de Cristo.
E tu, continuas a cheiras a pétalas de rosa, lavanda, leite morno e mel? Enquanto lhe pego na mão e cheiro intensamente a palma, fechando os olhos e restantes sentidos para que nenhum deles engane o olfacto.
Cheiras a barro, a terra molhada e algo mais … será cogumelos? Ela solta uma gargalhada quase cerrando os olhos de amêndoa. Lá se foi o encanto dos banhos de leite regados a mel e morangos!
Saímos para a noite, despertos como crianças. Havia tanta coisa para contar, o entusiasmo fazia tropeçar em histórias, factos, lendas, batalhas perdidas e vitórias alcançadas. Sentados nas escadas da igreja do Carmo, viajamos pelo tempo a Karnak, com as suas esfinges de pedra ao longo do eixo principal, guardando o templo na orla do deserto. Beijamo-nos sob a luz das estrelas, as mesmas de há dois mil anos, primeiro um beijo tímido de lábio projectado em lábio, onde se absorve o aroma a desejo e depois a língua, e com ela o sentido do paladar, e o sabor de um amor que vem lá do fundo do coração.
Vem sentar-te ao meu lado, temos tanto para conversar. Com relativo êxito correu com Marco António, o lugar ao seu lado está vazio deixando a César o que é de César! Diz com um sorriso, numa boca bem traçada com lábios finamente cinzelados. Como fica bem esta boca nesse seu nariz perfeito.
Ao fim de mais de dois mil anos as forças do destino voltaram a cruzar os nossos caminhos. Digo, inspirado pela sua beleza e encontrando algures nos bolsos das calças o dom da palavra que julguei ter perdido.
Tu lembras-te? Pergunta, sem nunca desviar o olhar.
Claro que sim, era um dia de Inverno morno, tinha acabado de chegar ao Egipto quando recebi o teu presente.
E que mais te recordas tu?
Lembro-me de te ver deslumbrante, muito jovem e imensamente bela, desenrolada de um tapete! Cheiravas a rosas…
É curioso que digas isso, também me lembro bem do teu cheiro, a águas quentes termais e folhas de loureiro… agora cheiras a papel, livros e tinta de encadernação!
Não tenho tido muito tempo para banhos demorados em termas, e o loureiro saiu de moda em meados do nascimento de Cristo.
E tu, continuas a cheiras a pétalas de rosa, lavanda, leite morno e mel? Enquanto lhe pego na mão e cheiro intensamente a palma, fechando os olhos e restantes sentidos para que nenhum deles engane o olfacto.
Cheiras a barro, a terra molhada e algo mais … será cogumelos? Ela solta uma gargalhada quase cerrando os olhos de amêndoa. Lá se foi o encanto dos banhos de leite regados a mel e morangos!
Saímos para a noite, despertos como crianças. Havia tanta coisa para contar, o entusiasmo fazia tropeçar em histórias, factos, lendas, batalhas perdidas e vitórias alcançadas. Sentados nas escadas da igreja do Carmo, viajamos pelo tempo a Karnak, com as suas esfinges de pedra ao longo do eixo principal, guardando o templo na orla do deserto. Beijamo-nos sob a luz das estrelas, as mesmas de há dois mil anos, primeiro um beijo tímido de lábio projectado em lábio, onde se absorve o aroma a desejo e depois a língua, e com ela o sentido do paladar, e o sabor de um amor que vem lá do fundo do coração.
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