Cerca de dois metros de muro em blocos de granito, alvenaria de pedra seca, dispensada da argamassa em cal e areia, ou até mesmo barro. As pedras de tamanho variável, deixam espaços, facilitando a subida. Mesmo nos sítios onde pedras menores foram colocadas para calçar as maiores, o acabamento irregular tornava a escalada interessante, não fosse a chuva que caía torrencial! O muro de cerca de dois metros do vizinho esconde pequenas preciosidades, mas é na Magnólia rosa que estou interessado, precisamente aquilo que o muro não esconde e ainda ajuda a alcançar! E corto-lhe um pequeno ramo, pedindo desculpa à árvore…dizendo que é por amor a uma rainha!
Quando a convidei para jantar na quinta-feira anterior, nunca imaginei o desenrolar dos acontecimentos que me levariam nesta noite de S. Valentin, a trepar cerca de dois metros de muro, sim é a terceira vez que o digo, para num acto desesperado cortar um ramo de Magnólia rosa. Fiz com esmero uma lasanha, comprei vinho, compus a mesa com velas e depois do jantar, ela disse que tinha de ir embora, o trabalho por acabar e o cansaço impediam-na de ficar. Não reagi, achei que era uma brincadeira quando voltou logo a seguir, mas afinal voltava porque se esquecera do telemóvel em cima da mesa junto ao sofá…implorei que ficasse, sugeri que a levava a casa mais tarde, queria estar com ela só mais um pouco e ela então disse que não, que aceita-se o não como um homem adulto, que não era uma criança…as palavras dela embateram de frente, não como uma onda, que essas eu sei como me desviar, mas como um muro, idêntico a este de dois metros em granito! E desde quinta-feira não voltamos a falar.
Deambulei pela cidade à chuva quando a noite já se impusera, diluindo o orgulho, amarrando à boca do estômago um pedido de desculpas. A Magnólia de braços rosa sobre o muro oferecia o presente de rainha. Ingénuo, o pé resvala na descida, o granito torna-se joelho e a pele torna-se muro, e o sangue escorre misturando-se com a chuva, empapando o tecido rasgado.
Espero que alguém entre no prédio, encharcado em água e sangue subo o lanço de escadas até à porta dela e quando a porta se abre, peço-lhe desculpa. os olhos enchem-se escuros, sem sinal do verde que os costuma habitar.
Podia ter dito” não chores!”, e ela podia ter pedido desculpas pelas palavras que atirou naquele dia, mas não dissemos nada. Já tinha libertado a única palavra que trazia quente, abrigada da chuva e do vento, e com ela todas as outras deixavam de ter sentido. Ela por seu lado, dissolvera todo e qualquer discurso em lágrimas, que lhe enchiam os olhos como uma represa de águas escuras que, cheia de tudo, transbordara pela face.
As bocas libertas de articular vocábulos, encontraram-se, e as línguas que as habitavam passaram a ocupar, cada uma a seu tempo, a boca oposta à sua! Despojados das roupas, umas molhadas outras secas, o tapete balofo em lã vermelha foi por fim, palco do concúbito. E não voltamos a falar…
Sem comentários:
Enviar um comentário