terça-feira, 2 de agosto de 2011

Danae

Conheci Danae numa noite de céu limpo, quente e sufocante como ela própria. A primeira vez que a vi fazia parte de um grupo ruidoso, com pouca ou nenhuma educação que jantava na pizzaria onde eu fazia um part-time de verão. Mesmo no meio da confusão foi logo nela que reparei, talvez pela juba que ostentava orgulhosamente, e que ornamentava um rosto singularmente belo e delicado. O espaço era pequeno e por isso dividiram-se por duas mesas, na separação natural de sexos. Eu fiquei destinado a atender a mesa dela, e depois de muitos pedidos e alterações, já só queria que as horas passassem depressa, nem aqueles olhos claros me davam ânimo para aturar as piadas e o gozo provocatório.
Voltei a vê-la nessa mesma noite, já tinha acabado o meu turno e caminhava cansado, indiferente pelo meio dos bares e discotecas, abstraído das raparigas nórdicas com as suas saias reduzidas que dançavam na rua, tropeçando nos polícias armados e nos bêbados dos ingleses, queimados do sol envergando t-shirts do Arsenal! E eis que ela surge, acabada de sair de um quadro de Klimt, vomitava tinta azul da Prússia à porta de um bar da Oura! Apanhei-lhe os cabelos longos vermelhos de fogo no topo da nuca, para não se sujarem com o pigmento e perguntei: “Estás bem? Queres que te leve a casa?”
“Leva-me a ver os reflexos prateados no mar…” E eu levei-a pela mão até ao mar, descemos a rua sem trocar palavras, sem soltar a mão frágil dela, embriagado pelo cheiro de terra molhada que emanava, queimado pela chama, rendido ao poder que o seu olhar exercia sobre mim. Foram três noites inesquecíveis, imerso no corpo sardento e pálido de Danae, alheio a tudo quanto nos rodeava.
Passávamos todo o tempo juntos, como se fossemos o prolongamento um do outro, deitados ao sol ausentes das subidas e descidas da maré, a passear pelas ruas em calçada alva, banhos nocturnos em piscinas alheias, corpos despidos iluminados pelo luar, a dançar de bar em bar até ao limite das força e depois o resto da noite dormíamos na varanda do aparthotel, numa espreguiçadeira surripiada, e entrava nela sob um tecto de estrelas!
 Não voltei à pizzaria, todo o dinheiro que tínhamos gastamos a viver como reis, comíamos do que havia de melhor em restaurantes com esplanadas, assentes em estacas na praia, vistas românticas ao pôr-do-sol, onde os clientes vestiam marcas e preconceitos, e pagavam com cartões dourados, e nós de havaianas, pedíamos sangria de Moët & Chandon e morangos!
 E numa madrugada, Danae partiu, sem dizer nada. Acordado pelo guincho de uma gaivota, não a encontrei a meu lado.

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