sexta-feira, 15 de julho de 2011

S. João

O primeiro balão sobe nos céus ainda raiado de sol, oscilante, indeciso pelo vento que o empurra, divertido colorido, sobe até desaparecer do meu campo de visão. O calor das brasas já se sente à distância, os pimentos são os primeiros a sentir a grelha, um cheirinho vai-se espalhando e as sardinhas cobertas de sal grosso são alinhas assim que os pimentos são virados. Ela abraça-me e rouba um trago da minha cerveja. Sussurra ao ouvido: cheiras a sardinha, tubarão!
Mesas improvisadas dispõem-se, cadeiras e bancos encavalitam-se, cotovelos que se guerreiam pelo espaço, impacientes as batatas cozidas com casca, esperam pelo derrame do azeite e pelo pimento cortado escamado da pele tostada. A broa que veio de Avintes, cortada ao alto como colunas gregas, grita pela sardinha, e as azeitonas escolhidas a preceito para a ocasião, vão padecendo pelos pires em forma de caroço! O caldo verde já está a ser servido na louça de barro, alguém se esqueceu da tora no fundo da panela. Os copos e tigelas enchem-se de tinto, unem-se aos risos em brindes à noite que se demora, ao dia que não se quer ir embora.
E as sardinhas vão deixando as grelhas, gordas e de pele dourada pelas brasas, quando as últimas são levadas em travessas, já o sol refreou e o céu está duplamente estrelado com balões de S. João!

Dá-me a mão bem apertada e guia-me pela multidão, martelos que guincham intermitentes, martelam uma e outra vez, nem a “monaria” se livra de uma marretada bem certeira! E o fogo explode no ar, cruza o nocturno e acende os céus de um lado ao outro. Procura os meus braços em volta dela, sinto como bate descompassado o seu coração, agitado da emoção e ainda acelerado da corrida por entre a massa de pessoas que se comprimem como um rio entre margens.
Num remoinho de cheiros, sopros queimados da pólvora, alhos-porros e erva-cidreira que dançam de cabeça em cabeça, para quem teima em manter a tradição, regressamos a casa onde a minha avó já prepara a cevada e a regueifa com manteiga.

Diz-se que a água está benzida nessa noite, protegendo os audazes das doenças durante o ano. Sei de uma praia deserta, quase a meia hora de viagem, é para onde a levo antes que o dia desperte e o feitiço termine. A água enregela os corpos despidos, ela pela minha mão confia no mar e deixa-se guiar, do mesmo modo que me deixei guiar pela multidão, e mergulhamos no sal frio entrando numa onda que nos percorre, pois só assim o banho é “virtuoso”, excomungando o mal dos amantes!
Enrolamo-nos na toalha, os corpos juntos aquecem-se e tornam-se rubros e apetecíveis. O quarto-minguante de lua protege-nos sobre a areia húmida da noite, e ela recebe-me no meio das suas pernas cobertas de salitre!

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